quarta-feira, 18 de maio de 2011

Sou negra, sou índia, sou brasileira, com muito orgulho


Uma das lacunas que mais me angustiam no estudo da realidade brasileira é a quase total ausência de reflexões sobre o contato entre os dois povos oprimidos do nosso páis: negros e índios. É uma falta que sinto não só nos estudos acadêmicos mas, também e principalmente, na nossa consciência como povo.

Sinto isto há muito tempo. Na História de minha família, sabemos que somos descendentes não só de negros, mas também de indígenas. Em muitas outras famílias negras existe esta lembrança. No entanto, quase sempre a pensamos apenas como um traço biológico, uma herança genética, quando a miscigenação cultural deveria ter importância muito maior para nosso entendimento da vida.

Não tenho dúvidas de que a convivência entre negros e índios foi intensa na História brasileira e, portanto, deve ter deixado marcas culturais profundas. Mas também não tenho provas. Há pouca documentação a respeito deste assunto e também poucos estudos e pesquisas. Pelo contrário, até o mestre Darcy Ribeiro, em seu livro “O Povo Brasileiro”, indica que não houve contato significativo entre negros e índios. Tanto é que atribui aos negros a disseminação do português num país onde a língua dominante era o guarani.

Não quero, com isto, questionar o trabalho de Darcy Ribeiro. Pelo contrário, ele foi um dos poucos cientistas sociais a se ocupar da História a partir do ponto de vista dos povos oprimidos. Entre seus apontamentos importantes, por exemplo, está o do surgimento de uma nova raça e de uma nova cultura, especificamente brasileira, como fruto da miscigenação, não só biológica, mas também e principalmente cultural. E que esta miscigenação não acontece como mera soma de características, mas como processo dialético, em que os conflitos geram novas realidades.

Ele aponta, por exemplo, os filhos sem pais, gerados em índias por colonizadores, rejeitados tanto pelos indígenas como pelos brancos. Lembra dos filhos gerados no ventre das negras cativas pelos seus senhores e seus feitores, estes muitas vezes, já nascidos como fruto de miscigenações anteriores. Esta situação, muito comum durante o período colonial, gerou um tipo de família matriarcal, centrado na figura da mulher, que poucas vezes é reconhecido nos estudos de sociologia, mas vem se reproduzindo desde então e ainda hoje é predominante nas camadas sociais oprimidas.

De qualquer forma, creio que a presença de fortes traços indígenas na cultura afro-brasileira merece mais atenção. É claro que existem diferenças notáveis entre as várias sociedades indígenas que existiram e existem no país. Da mesma forma, existem diferenças importantes, de região para região, na forma como os negros se estabeleceram e viveram na sociedade brasileira em formação.

Em todos os casos, costumamos pensar com a cabeça orientada pela visão dos dominadores, ou seja, pela visão dos portugueses e, em seguida, da elite branca do país. Por isto, todo o pensamento histórico se volta para o contato do negro com o branco e do índio com o branco. Praticamente não há referência ao encontro dos povos oprimidos, negros e índios. Terá existido este encontro?

Uma resposta positiva pode ser percebida claramente na religião. No último sábado, dia 14 de maio, participei de uma festa de pretos velhos, na terreira da minha mãe de santo, Maria de Oxóssi. Quem dirigiu a sessão foi a entidade Maria Conga. No entanto, como a terreira é de Oxóssi, Maria Conga pediu licença a ele.

Esta manifestação de respeito entre as entidades me deixou ainda mais curiosa sobre a relação entre negros e índios. Nas terreiras de Umbanda, é importantíssima a presença dos caboclos. Basta ver a frequência com que famílias negras batizavam seus filhos com nomes como Jurema e Iara, por exemplo (antes da atual onda de nomes americanizados).

Mesmo assim, quando estudamos “cientificamente” as religiões afro-brasileiras, só conseguimos pensar no seu relacionamento com o cristianismo, especialmente com o cristianismo católico. Apesar da evidência oferecida pela forte presença, nas terreiras de todo o Brasil, de entidades como Oxóssi (este, às vezes identificado como indígena e outras como de origem africana), Jurema, Tabajara, Cobra Coral (são dezenas), raramente nossa comprensão do sincretismo consegue perceber qualquer proximidade entre as culturas negras e indígenas.

Um pouco de reflexão histórica também nos leva a compreender como inevitável o encontro entre índios e negros. Quando estes fugiam do cativeiro e criavam seus Quilombos, não iam para terras de ninguém, mas para territórios indígenas. Nos falta pensar sobre os conflitos e acordos que necessária e evidentemente aconteceram.

De qualquer forma, enquanto aumenta minha curiosidade, cresce também a certeza de que, além de negra, sou índia, sou brasileira. E tenho muito orgulho disto, dos meus ancestrais, do meu povo e das culturas que todos nós recebemos como herança e saberemos honrar e desenvolver.

terça-feira, 17 de maio de 2011

O QUÊ É RIQUEZA?

O link, aí em baixo, remete a um arquivo de vídeo, mostrando uma música linda, melodiosa, alegre, cadenciada.

Antes que você o assista, peço licença para lembrar de uma entrevista do Carlinhos Brown, quando começava a se afirmar como personalidade única da música brasileira. O repórter – ou a repórter – perguntou sobre a infância pobre dele, numa favela de Salvador. E ele, marotamente fingindo surpresa, responde com outra pergunta: Pobre? E diz que sempre foi rico, com zilhões de ritmos, melodias, alegrias, zoando e soando em sua cabeça.

Agora, olhe e escute este arquivo e tire suas conclusões sobre o que é riqueza. É coisa do povo de Burquina Fasso, país africano ao sul do deserto Saara, uma das regiões mais pobres – famintas – do nosso planeta. Tem a menor taxa de alfabetização – 23,6%.

http://www.youtube.com/watch?v=KarChRDf8mY&feature=bf_play&list=FL3f3dYXQHEiQ&index=1

Busquei esta informação no site do Homem Arara: http://www.homemarara.com/?canal=folia&leitura=91


Agora, o

sábado, 14 de maio de 2011

O 14 DE MAIO


O Dia 13 de Maio marca a consciência de todos os brasileiros. É o dia de lembrar que a princesa Isabel assinou, lá em 1888, uma lei que recebeu o nome de “Lei Áurea” (a Lei de Ouro), “concedendo” a “liberdade” aos negros brasileiros. O Dia 14 – e todos os demais pelo resto do ano – seria então o dia de esquecer? Não, não vamos esquecer. Vamos lembrar, não dos tempos de escravidão. Vamos lembrar dos tempos de luta pela liberdade.

Este é o primeiro ponto a ser pontuado: o povo negro nunca foi escravo. Aprendi isto do meu pai. Ele se recusava a pronunciar esta palavra quando se referia aos seus antepassados. Sempre frisava que a palavra certa era “cativo”. Esta sabedoria ancestral nos revela que, mesmo submetido à escravidão, o povo negro nunca foi escravo. Tentaram escravizá-lo. Ele resistiu. E venceu.

Quando a princesa assinou a dita “Lei de Ouro”, já eram livres 95 por cento dos negros e pardos que viviam no país. Não pela “bondade” da princesa ou quem quer que fosse, mas pela longa luta, travada desde o dia em que os primeiros negros desceram dos navios portugueses para pisar o solo brasileiro. Desde então, lutaram das mais diversas formas: rebeliões, fugas, formação de quilombos, compras de alforria...

É importante frisar que não eram lutas individuais, mas travadas por organizações coletivas, às vezes até estruturadas de maneira formal, mas sempre a partir de famílias muito amplas e de laços muito sólidos. Os negros não buscavam a liberdade apenas para si, mas para sua família. E nem apenas para ela, mas para outras famílias aliadas, numa rede de colaboração mútua que se estendia por campos e cidades, frequentemente ultrapassando divisas das províncias e fronteiras nacionais.

É por força desta luta que a sociedade escravocrata entrou em decadência e a elite do país, constituída pela nobreza, pela burocracia do Estado e pela aristocracia rural tratou de branquear o país. Não era preciso nenhuma Lei de Ouro para terminar com a escravidão no país, nem mesmo para conceder a liberdade aos cinco por cento dos negros ainda submetidos a este jugo. Era questão de poucos anos para que a organização política do povo negro, já em alianças com setores mais avançados da sociedade branca, alcançasse a libertação dos poucos que ainda restavam cativos.

Esta organização é que precisava ser enfrentada pela elite. Vista desta perspectiva, a “Lei de Ouro” foi um movimento político e ideológico contra o povo negro, dos mais eficazes. Político, porque visou extinguir o objetivo central que cimentava esta organização. Ideológico porque tentou roubar ao povo negro a consciência de ter conquistado com luta sua liberdade.

Dói registrar que, em grande parte obeteve sucesso. Mas, enfim, é da vida. Nossa luta não terminou porque a liberdade que sempre desejamos é uma conquista de todos os dias. Queremos ser livres não apenas como indivíduos. Também isto, mas, mais importante, queremos ser livres como povo, como cultura, como história, como filhas e filhos que têm orgulho de seus ancestrais. Como mães e pais que têm orgulho de seus descendentes.

domingo, 8 de maio de 2011

Marcelino Qualquer Coisa na Globo

Luciano Huck está apresentando mais um de seus “generosos” quadros, para ajudar o povo brasileiro. É o quadro “Mandando Bem” que visa premiar o “empreendedorismo” nato do povo brasileiro, jogando um caminhão de dinheiro no negócio de algum “exemplo” que ele vai encontrar nos mais distantes recôntidos rincões brasileiros. De quebra, aproveita e ensina o povo em geral como é que se faz um negócio de verdade.

O primeiro programa foi ao ar ontem, dia 07 de maio. Foi lá longe, no interior de Tocantins, na pequena cidadezinha de Araguacema. Lá, Huck localizou o jovem Marcelino, que construiu uma “tosca” academina de musculação, a Bola de Ferro, produzindo alteres e outros aparelhos de peso com uma porção de objetos que tinha a sua volta. A fantástica engenhosidade de Marcelino foi traduzida pelo dicionário de Huck como “empreendedorismo”e, para ajudar o jovem empreendedor, o apresentador da Globo arranjou-lhe uma academia completamente nova: aparelhos produzidos com a mais “moderna” tecnologia; um lay out de “encher os olhos” e até uma ilha para venda de sucos e lanches. E, ainda, 25 mil Reais para Marcelino aguentar o tranco do novo negócio, até que ele amplie a clientela e se torne efetivamente lucrativo.

Bacana! Huck e sua equipe de produção deixaram de perceber o mais extraordinário em Marcelino: ele criou uma tecnologia viável em seu ambiente para a produção de equipamentos de musculação. Esta tecnologia, Huck transformou em lixo e substituiu pela magnitude dos aparelhos que o capital de Globo e seus patrocionadores jogou no negócio do Marcelino. A criatividade e a engenhosidade, capazes de fazer com que se multipliquem idéias e empreendimentos inovadores em todo o Brasil, não valeram nada.

Claro. Viram o pitoresco da academia improvisada. Não olharam para o Marcelino. Tanto é que, na página do Huck no site da Globo, gastaram milhares de palavras para falar do quadro “Mandando Bem” e do “empreendedorismo nato” do povo brasileiro... nas não conseguiram, em nenhuma mínima frase, duzer o nome completo do fantástico “exemplo”. Falaram só do Marcelino. O Luciano é Huck. O Abílio é Diniz. O Roberto é Marinho. E o Marcelino? Qualquer Coisa.