domingo, 28 de agosto de 2011

O ENCANTO DA PROFESSORA LAIR ENSINANDO A ENSINAR CULTURA E HISTÓRIA DO NEGRO NA ESCOLA INFANTIL


A manhã da última sexta-feira (26/08/2011) foi encantada para as professoras da Educação Infantil e séries iniciais da rede pública municpal de Novo Hamburgo. Das 8h00 às 11h30, no auditório da SMED, elas tiveram a oportunidade de ouvir a professora Lair Teresa Vidal da Silva. Com um sotaque característico da Pampa gaúcha, que deu colorido especial a sua palestra, ela cantou, dançou, recitou, lembrou ditados populares, mostrou como se fazem benzeduras, tudo para mostrar como é possível ensinar as crianças, desde seu ingresso no mundo da escola, a valorizarem, respeitarem e conhecerem sua herança cultural afro-brasileira-gaúcha. Foram três horas e meia que se passaram num instante, como mágica, e mesmo assim deixaram raízes profundas e uma grande inspiração para o nosso trabalho.

Licenciada em letras, com especialização em Ensino Religioso, a professora Lair é militante do Movimento Negro desde 1987 e desenvolveu uma experiência única no ensino da diversidade nas séries iniciais, usando jogos e brincadeiras infantis da tradição afro-brasileira para introduzir as crianças no universo de belezas da cultura e da História dos negros em nosso país. A riqueza dos resultados que alcançou fez com que este trabalho fosse reconhecido e passou, assim, a assessorar a rede educacional de Cachoeira do Sul, onde vive e trabalho, com palestras e oficinas na Área de Cultura Afro. Hoje aposentada, passou a ser requisitada para compartilhar seu conhecimento em vários outros municípios do Estado. Atualmente, além de toda esta atividade, participa também do Coletivo Estadual de Educadores Negros.

Já tivemos a oportunidade de ouvi-la, no ano passado, em palestra que integrou o curso realizado em parceria com a UFRGS sobre a História e a Cultura Afro-brasileira. Este ano, porém, ela veio falar especialmente para professoras da Educação Infantil e seres iniciais, trazendo-nos a palestra “Desvendando o Lúdico na Africanidade”. O mais estimulante em suas proposições é que ela mostrou como é possível utilizar este tema para trabalhar a motricidade, a questão dos limites, geografia e até matemática. E tudo isto trazendo uma visão aguda da História dos negros no Brasil e no Rio Grande do Sul. Para culminar, ela nos trouxe também uma lição de amor e dedicação às causas sociais, frisando que foi nas escolas da periferia em que encontrou maior receptividade e carinho para seu trabalho, mostrando profunda gratidão às crianças mais pobres que aprenderam com ela, mas também lhe ensinaram muito.

Leira Salete Teixeira de Souza

Assessora da Diversidade

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

SOBRE A IMPORTÂNCIAS DAS MULHERES NA SOCIEDADE BRASILEIRA


Muito raramente a História procura entender o papel da mulher na construção das sociedades. Quando é feita uma investigação realmente científica, porém, novas luzes nos ajudam a entender nosso presente e a projetar nosso futuro. Um ótimo exemplo é o trabalho de Michelle Perrot sobre as donas de casa da capital francesa no século XIX (vale a pena se divertir e aprender com ele, a partir do artigo “Napoleão III contra as lavadeiras tagarelas”, publicado neste blog no dia 24 de abril). A autora mostra como as lavadeiras de Paris, tratadas como “tagarelas” pelo machismo da época, desempenharam papel importantíssimo nas lutas populares. Por sua capacidade de ação e organização, eram vistas com extrema preocupação pelo imperador.

Outro exemplo muito interessante vem da Feitoria do Linha Cânhamo, que deu origem ao município gaúcho de São Leopoldo. Hoje, esta cidade é conhecida como berço da colonização alemã no Brasil. Quase ninguém sabe, porém, que a Feitoria foi o maior empreendimento escravista da província de São Pedro do Rio Grande, entre 1788 e 1824. É um fato histórico de grande relevância que este empreendimento não tenha prosperado, pois recebeu investimentos significativos do governo português. Para se ter uma idéia da sua importância para o governo central, basta lembrar que contava com 321 negros escravizados. No mesmo período, as maiores charqueadas – principal atividade econômica gaúcha na época – mal chegavam aos 200.

LUTADORAS ATIVAS

Nunca foi bem explicado porque o governo desistiu da Feitoria. Os mais preconceituosos gostam de atribuir a culpa à “preguiça dos negros”. Nem vamos perder tempo com esta besteira. A hipótese mais provável, apresentada pela pesquisadora Eliege Moura Alves, é que os negros inviabilizaram o empreendimento resistindo à vida escrava de forma tão aguerrida que chegaram a enfrentar as forças imperiais. Para culminar, a historiadora aponta que as mulheres negras escravizadas, cerca de metade do total na Feitoria, foram decisivas como fomentadoras e como retaguarda firme da revolta libertária negra.

Sempre que lembro deste capítulo da História, penso que é mais um episódio riquíssimo da história popular brasileira que merece uma pesquisa profunda e também ampla divulgação. Gostaria muito de ver esta História, “a rebelião negra na Feitoria do Linho Cânhamo” transformada em filme, por exemplo, mostrando as mulheres em papéis tão importantes quanto os dos homens. Não como meras coadjuvantes, mas como lutadoras ativas, como foram na realidade. Gostaria de ver retratados seus sentimentos de revolta, desespero e esperança, pensando nos seus filhos e nos seus antepassados durante os duríssimos anos de cativeiro.

O PAPEL FUNDAMENTAL DAS MULHERES

Tenho certeza de que esta História, contada com sentimento e honestidade, ajudaria muito a conscientizar e inspirar as mulheres de hoje. Não só as negras, mas todas que vem lutando e trabalhando duro durante tanto tempo, ajudando a construir nosso país. Poderia nos ajudar a entender o papel fundamental das mulheres na formação da sociedade, da cultura e da economia brasileira.

O mestre Darcy Ribeiro, em seu livro “O Povo Brasileiro”, já enfatizou que a família brasileira, especialmente as famílias das classes populares, tem um forte traço matriarcal – ou seja, construídas em torno de mulheres. Foi assim e continua sendo. Os levantamentos estatísticos sobre a família brasileira mostram que está crescendo o número de famílias comandadas por mulheres. E tenho certeza, aliás, de que esta proporção é ainda maior do que as pesquisas conseguem revelar.

A CIÊNCIA ACADÊMICA E A REALIDADE DA MAIORIA

Em outro artigo, “Os Novos Quilombos”, observei que as mulheres são responsáveis pelo sustento das famílias e por sua organização interna em muitas comunidades negras. Aos homens, cabe o relacionamento com a sociedade externa. Assim, não seria de admirar se, em muitos casos, quem recebe os entrevistadores destas pesquisas são os homens e que estes se declaram os “chefes” da família, atendendo a expectativa social dominante. Internamente, porém, quem exerce a autoridade é a mulher.

Só este fato já mostra quanto a ciência acadêmica ainda precisa aprender sobre a realidade da maioria da população brasileira. A visão dominante entende a família como um núcleo muito reduzido, limitado a pai, mãe e filhos. Na vida real, as famílias pobres são muito mais extensas e seus laços de lealdade se estendem muito além dos primos em primeiro grau. E, quase sempre, a referência central é uma mulher, vivida, experiente e sábia. Não por acaso, nenhuma outra tradição religiosa no Brasil dá tanto espaço dirigente às mulheres quanto as religiões de raiz africana.

A IMPORTÂNCIA DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA

O fenômeno, no entanto, não se restringe apenas às famílias negras. É comum a quase todas as famílias pobres, como resultado da tradição cultural brasileira. Este fato, aliás, indica com muita clareza a força da cultura afro-descendente, muito mais presente do que conseguem imaginar aqueles que só vêem a cultura negra em eventos festivos e folclóricos, como o Carnaval. Do ponto de vista da organização familiar, no entanto, ela transborda do universo negro e se espalha por todas as etnias.