quinta-feira, 8 de setembro de 2011

AMOR, CULTURA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL


Adoro brincar com a orelhinha do meu netinho emprestado. Adoro o abraço apertado e generoso da minha netinha. Adoro nossas crianças.

Este amor que eu sinto, assim como a grande maioria da(o)s educadora(e)s sentem, é a base do nosso trabalho. Devemos compreender, no entanto, que também o nosso amor é educado, ou seja, se manifesta através de gestos e expressões construídos culturalmente. Até mesmo o abraço, por mais sincero, é uma manifestação de cultura. Existem povos que se abraçam mais que outros e isto é uma realidade muito fácil de perceber numa cidade como a nossa Novo Hamburgo, onde convivem pessoas das mais diferentes etnias e culturas.

Como exemplo, cito um trecho do livro “E a Umbanda”, do pastor luterano André Droogers, obra densa e respeitosa. O abraço que as entidades oferecem aos filhos chamou fortemente a atenção do religioso. Lendo o trecho em que falava isto, recordei o abraço de Oxumaré, de uma ternura imensa, a cada pessoa numa terreira. É um abraço completo, de rosto colado, afagos maternais e mãos apertando docemente, corpo contra corpo. E, além disto, dançando. Quanta diferença do abraço apenas formal que se pratica em algumas das religiões de origem européia. O pastor, homem sensível e imbuído de autêntica fé cristã, de amor ao próximo e abertura para o outro, não podia deixar de perceber esta característica tão viva e tão contrastante.

Faço esta referência não para estabelecer um juízo de valor, o que seria simplista demais. Meu objetivo é demonstrar como se podem notar profundas diferenças culturais mesmo num gesto tão simples como o abraço. A partir desta observação, podemos enfatizar a necessidade de prestarmos compenetrada atenção às referências culturais dos nossos alunos – e também às nossas. Como temos múltiplas culturas – e miscigenações culturais – é um dever de amor para com as crianças procurar entender a diversidade que cada professor(a) tem em sua sala de aula. E alimentar a consciência de que estas diferenças se manifestam em pequenas coisas do dia a dia, como um simples abraço.

A escola é um lugar onde se encontram todas estas múltiplas culturas, com todo seu potencial de encontros e desencontros, conflitos e miscigenações. Ainda mais séria se torna esta questão quando temos presente que a escola tem justamente a função social de formação cultural. Mas não age sozinha e disputa sua hegemonia nesta função. Por um lado, estabelece disputa com uma poderosa estrutura de mídia, que explora a cultura como um bem comercial. Por outro lado, disputa com a família, com seus valores e hábitos enraizados. A família, por sua vez, também disputa a formação de suas crianças, com a mídia e com o entorno social onde vive seu cotidiano.

A educadora/o educador não age sozinh(o)a. Interage dentro de uma rede muito complexa de influências. Além disto, oferece às crianças não só os conteúdos oficiais, definidos no currículo e no plano político pedagógico, mas também suas própria crenças e valores pessoais, dos quais não tem como se desvestir completamente ao entrar numa sala de aula.

Resta claro que educar é transmitir valores e crenças, não apenas conhecimento, desde o primeiro momento em que a criança chega à escola. Pode-se fazer isto de forma inconsciente, reproduzindo uma cultura muitas vezes arcaica, preconceituosa e opressora. A outra alternativa é educar de forma crítica e consciente, questionando os próprios valores, compreendendo os valores das várias culturas que convivem na escola. E escolhendo. Conscientemente, escolhendo. Assumindo a responsabilidade de escolher.

Não é fácil fazer isto, porque exige uma avaliação crítica de cada um de nossos gestos. Cada um deles pode fazer com que uma criança se sinta inferior, igual ou superior às outras na sala de aula. É preciso muita humildade para assumir todo o enorme peso da responsabilidade que estas escolhas representam para a vida inteira de cada uma das crianças que educamos. E esta humildade só é produzida pelo amor.

Este mesmo amor que me faz brincar com a orelhinha do meu netinho emprestado e me faz feliz com o simples abraço apertado da minha netinha.

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