quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

ABYA YALA, o verdadeiro nome da América


Li, no site do Homem Arara (*) e compartilho:

Descobri! O verdadeiro nome da América é este: ABYA YALA. Quem me contou foi a Elaine Tavares, jornalista e professora universitária na UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina.

Pra contar a verdadeira história deste continente, o nome "América" só pode ser usado como evidência da sacanagem. É um nome inventado pelos invasores, em homenagem ao navegador Américo Vespúcio. Este não foi sequer o "descobridor", mas "mereceu" a homenagem por ter contornado o extremo sul do continente, passando do Oceano Atlântico ao Pacífico, e desenhado o primeiro mapa das novas terras. O Cristóvão Colombo, que tinha feito o serviço de "descobrir a América", estava velho, aposentado. Portanto, não prestava pra mais nada e podia ser descartado.

De certa forma, o Colombo mereceu a sacanagem. Afinal, ele achava que tinha descoberto o caminho para as Índias e aí chamou os povos do novo continente de "índios". Ninguém perguntou aos "índios" se eles queriam ser chamados assim, ou se preferiam ser chamados pelos nomes que eles mesmos se deram. Também nunca perguntaram a eles qual era o nome da sua terra.

É como se chamassem o Charles do Liberdade de "Carlinhos da Senzala" e ainda registrassem este nome no cartório.

Os povos do continente, porém, mesmo depois de cinco séculos de truculência, continuam de pé e agora se organizam (em nível continental, do Alaska à Patagônia). Tem consciência inclusive de que chamar a sua terra pelo nome certo é uma forma de afirmar sua existência e sua cultura. De respeitarem-se e se fazerem respeitar. O movimento indígena, organizado em todo o continente, decidiu usar essa expressão bonita, "ABYA YALA", da lingua kuna (povo do Panamá, ponto de união entre o sul e o norte do continente) para designar sua (nossa) terra. Significa "terra do esplendor"!

Sobre o trabalho da Elaine, vejam também, além do blog http://eteia.blogspot.com, o endereço http://povosoriginarios.blogspot.com . Copio uma parte da apresentação, só pra atiçar sua curiosidade:

"O projeto tem como objetivo investigar a história das nacionalidades originárias da América pré-colombiana e revelar os seus mais diferentes aspectos da vida, da cosmologia e da cultura, buscando compreender o quê destas práticas e conceitos ainda perdura de forma estrutural na maneira de organizar a vida dos povos autóctones. Este estudo se faz necessário considerando o atual fortalecimento das lutas dos povos originários no que diz respeito não só ao território, mas também no direito a expressar e vivenciar suas culturas. Isso aparece com força na Bolívia, na Colômbia, no Equador, no Chile, na Argentina e já começa a surgir no Brasil.

A proposta é, a partir da pesquisa, produzir material didático para uso de professores de primeiro e segundo graus. A intenção é de que o resultado da pesquisa acerca destas civilizações tão antigas (ou mais) do que as já conhecidas civilizações egípcia ou grega possa ser incorporado nos currículos desta fase do ensino para, com elas, provocar: o conhecimento da história antiga do continente, o rompimento com identidade colonial, o fim do racismo, o fim do isolamento do Brasil em relação aos países da América Latina, a construção de um conceito de identidade latino-americana, o reconhecimento das novas lutas dos povos originários e a caminhada no rumo de uma outra integração e outro tipo de desenvolvimento nesta Abya Yala."

(*) www.homemarara.com

sábado, 12 de novembro de 2011

DIVERSIDADE NA ESCOLA – UMA EXPERIÊNCIA


Quando comecei meu trabalho como assessora sobre a questão da diversidade étnica e cultural na Secretaria da Educação, em Novo Hamburgo, há quase três anos, tinha muitos sonhos. O que conquistamos neste período, porém, é mais gratificante do que os próprios sonhos. Vejo, hoje, em quase todas as escolas do município – uma cidade originada pela imigração alemã – a diversidade étnica e cultural sendo trabalhada com muita seriedade e, ao mesmo tempo, muito carinho.

Certamente, temos muito ainda a avançar e conquistar, mas não posso deixar de registrar que a caminhada já me gratificou mais do que poderia esperar. Sou profundamente agradecida às muitas pessoas – professora(e)s e funcionária(o)s das nossas escolas, que me acompanharam, apoiaram, ajudaram, buscaram meu apoio, aprenderam comigo e me ensinaram, exatamente como sugere Paulo Freire.
Sou profundamente agradecida, por exemplo, pela oportunidade de proporcionar o curso da UFRGS sobre o ensino da História e da Cultura da África e dos Afro-descendentes, que municiou nossa equipe com informações preciosas, além de inspirar nosso trabalho. Agradecida também pela oportunidade de conhecer inúmeras pessoas generosas, sensíveis e inteligentes que se dedicam à educação como verdadeiras militantes da justiça, da democracia, da igualdade, da fraternidade e da paz.
Confesso que me sinto orgulhosa por todo o caminho percorrido, mas sem deixar de reconhecer que fui apenas uma das agentes de todo o crescimento que estamos promovendo, não só em Novo Hamburgo, mas em todo o país. Com este espírito, gostaria de compartilhar alguns pontos que julgo essenciais ao sucesso do trabalho realizado.
1) Buscar a vivência profunda dos conteúdos a serem trabalhados. Desde o primeiro dia, além de buscar a informação acadêmica, procurei também beber na fonte da tradição oral, sabendo que este tem sido o principal veículo de transmissão de história e da cultura afro-brasileira. Da mesma forma, me aproximei da religião afro-brasileira, para entendê-la e superar preconceitos uma vez que, apesar de negra, minha formação religiosa era apenas católica. Sou especialmente grata à Mãe Maria de Ossanha, uma senhora muito simples, mas integralmente dedicada à religião, que me tem revelado um universo riquíssimo de simbolismo e sabedoria.
2) Vencer as barreiras do contra-preconceito. O racismo é uma doença traiçoeira, porque sua irracionalidade se reproduz também entre os que são vítimas do preconceito. Busquei desarmar o espírito para poder dialogar com todas as professoras e professores – a maioria brancas – sobre a questão étnica, procurando entender sua visão sobre este tema tão delicado. Alguns dos trabalhos mais bonitos, e proveitosos sobre a igualdade e a diferença estão sendo desenvolvidas por pessoas de pele branca sinceramente comprometidas com a superação dos preconceitos.
3) Valorizar todos os aspectos da cultura afro-brasileira que são aceitos pelo conjunto da sociedade. Falo aqui de música, de ritmo, de dança, culinária, roupas coloridas....
4) Compreender que a visão cultural eurocêntrica não deve ser substituída por um conceito centrado na África. Desde o início, me preocupei também em entender a questão indígena e descobri que a História do negro não pode ser separada da História do índio, nem do branco, em nosso país.
5) Evitar a prisão do ranço histórico e do coitadismo. Descobri, com muita alegria, que a História do Negro no Brasil é muito mais a História da Resistência, da Luta pela Liberdade, do que a História da Escravidão. E é neste campo positivo em que podemos nos encontrar, todas as raças, como seres humanos iguais. Muito mais do que nos reduzir a uma eterna queixa contra a opressão (embora isto não deva ser esquecido, por se tratar de uma parte da verdade), estamos ensinando valores e contribuições importante que negros e indígenas trouxeram e trazem ao nosso desenvolvimento como nação.
6) Ter as crianças como foco principal do nosso trabalho e o amor como principal motivação. Se estamos trabalhando com crianças, estamos trabalhando para o futuro e não para o passado. Do passado, podemos extrair as lições, mas a inspiração nos vem do futuro, de um mundo que temos a construir. E este mundo, não queremos feito de rancores, mas de amor, compreensão e superação.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O NEGRO GAÚCHO, NA CLAREIRA DA MATA

Em Caçapava do Sul, cidade onde nasci e vivi por 16 anos, há um Centro de Tradições Gaúchas com o nome de CTG Clareira da Mata. É o CTG dos negros. Lá participei do grupo de danças, usei vestido de prenda e sonhei meus primeiros sonhos de menina adolescente. 
 
Pode soar estranho, hoje, falar em CTG dos negros. No entanto, há até bem pouco tempo, isto era normal. Em muitas cidades gaúchas – não só em Caçapava – os negros não entravam nos CTG’s dos brancos. Nem por isto, eram menos gaúchos ou amavam menos a cultura da nossa terra. Pelo contrário, eram – e são – tão apaixonados pela tradição gaúcha que criavam suas próprias entidades. 

Hoje, superados os tempos do racismo ostensivo graças à luta do povo negro e à evolução cultural de toda a sociedade, o CTG Clareira da Mata continua existindo e se afirmando como o CTG dos negros, mas, agora como herança histórica que merece ser cultivada; como patrimônio de um povo que soube lutar contra a opressão para buscar não a vingança, mas a harmonia.

Tenho muita certeza ao escrever estas palavras, porque sou testemunha destes fatos. Meu saudoso pai, “seu Sinhô” – personagem real do livro “Quatro Negros”, de Luís Augusto Fischer, foi um pioneiro da luta contra o racismo, e o fez como bom gaúcho. 

Desde quando eu era menina e vivia na Varzinha, no interior do Caçapava, a uns 30 quilômetros da cidade, nas terras onde meu pai e minha mãe criaram nove filhos, lembro dos bailes de ramada que meu pai promovia. Bailes de ramada eram festas que aconteciam num salão rústico, de chão batido, coberto de palha e iluminado por lampiões. Para animar a festa, meu pai chamava um bom gaiteiro, às vezes acompanhado por um bom tocador de violão. O povo vinha de longe, no lombo dos cavalos ou em carros de bois... Às vezes era uma verdadeira viagem, de até seis horas de ida e mais seis de volta. Por isto, os bailes tinham que durar a noite inteira. 

“Sequer um negro poderia pensar
em dançar com uma negra
num baile de brancos”

Também por isto, eram acontecimentos raros. Eram esperados com ansiedade e sempre muito concorridos. Além do povo que vinha de longe, é claro, aparecia toda a vizinhança. Inclusive os vizinhos brancos, que não resistiam à música e à animação da festa. Isto era comum. Também os negros se aproximavam das festas dos brancos. O costume, porém, era de que, nos bailes dos brancos, os negros ficavam de fora, apenas olhando a festa pela janela. Quando era promovido por negros, os brancos ficavam de fora.

Meu pai foi um dos pioneiros em acabar com estas barreiras. Nos bailes que ele promovia, os brancos eram convidados a entrar, mas negros e brancos dançarem no mesmo espaço já era “liberalismo” demais. No entanto, “seu Sinhô” sempre pedia, em determinados momentos, que os negros sentassem para deixar os “irmãos brancos” dançarem. 

E eles adoravam. Naquele tempo, como hoje, os negros tinham um balanço especial em suas músicas. Vale um parênteses aqui, para provocar uma reflexão sobre o quanto existe de negritude na música gaúcha, cheia de contratempos nas notas da gaita, que fazem a delícia de qualquer ouvido que goste de riqueza rítmica.

O significado destes fatos é muito mais profundo do que se percebe ao primeiro olhar. O fato de brancos se aproximarem de uma festa negra (e vice versa) revela a presença de uma integração cultural, construída sobre a arte gaúcha, e a possibilidade de relacionamentos de amizade entre pessoas de “raças” diferentes. Por outro lado, a regra de negros e brancos não dançarem no mesmo espaço tem uma carga simbólica terrível de separação e segregação raciais. Sequer um negro poderia pensar em dançar com uma negra num baile de brancos. Imagine como estava distante a possibilidade de dançar com uma branca, ou de dançarem um branco e uma negra. Lembre que, desde então, se passaram apenas três décadas. 

Nos CTG’s de raiz negra,
a relação mais importante
é a familiar.

Assim, para que os negros pudessem cantar e dançar, criaram seus próprios bailes e seus próprios CTG’s. É evidente que a cultura que se desenvolveu nestes centros tem suas características particulares, em muitos pontos diferente da cultura gaúcha dos brancos, mas se relacionando com ela, influenciando e sendo influenciada. Um relacionamento, ao mesmo tempo, de diálgo e conflito. 

Gostaria de frisar que as particularidades culturais do negro gaúcho não se encontram apenas nas artes – especialmente, no jeito de dançar, cheio de ginga e sensualidade, aproveitando toda a riqueza rítmica da música gaúcha. Também é muito particular, na comparação com a cultura gaúcha branca, a valorização da família. Nos CTG’s de raiz branca, a relação mais importante é a de poder. Pergunta-se quem é o patrão e a importância de cada pessoa se mede principalmente pela quantidade de cabeças de gado e pela extensão das terras que possui. Ou para quem trabalha. Nos CTG’s de raiz negra, a relação mais importante é a familiar. Pergunta-se de quem cada pessoa é filha, prima ou de quem é compadre ou comadre. 

O próprio nome do CTG onde aprendi a dançar, “Clareira da Mata” é um indicativo desta particularidade cultural do gaúcho negro. Ao invés de identificar uma propriedade privada – “estância, rancho, recanto” – se refere a um local coletivo e selvagem, um ponto de reunião de pessoas que vivem em contato íntimo com a natureza. Permite vislumbrar, ainda, a forte proximidade entre negros e índios em nossa raiz histórica, reforçando nossa tese, de que a miscigenção mais importante ocorrida em nossas terras foi a do negro com o índio, não a do branco com negros ou a do branco com os índios, como se costuma acreditar.

Sáo pontos que merecem mais atenção por parte de nossos pesquisadores históricos.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

AMOR, CULTURA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL


Adoro brincar com a orelhinha do meu netinho emprestado. Adoro o abraço apertado e generoso da minha netinha. Adoro nossas crianças.

Este amor que eu sinto, assim como a grande maioria da(o)s educadora(e)s sentem, é a base do nosso trabalho. Devemos compreender, no entanto, que também o nosso amor é educado, ou seja, se manifesta através de gestos e expressões construídos culturalmente. Até mesmo o abraço, por mais sincero, é uma manifestação de cultura. Existem povos que se abraçam mais que outros e isto é uma realidade muito fácil de perceber numa cidade como a nossa Novo Hamburgo, onde convivem pessoas das mais diferentes etnias e culturas.

Como exemplo, cito um trecho do livro “E a Umbanda”, do pastor luterano André Droogers, obra densa e respeitosa. O abraço que as entidades oferecem aos filhos chamou fortemente a atenção do religioso. Lendo o trecho em que falava isto, recordei o abraço de Oxumaré, de uma ternura imensa, a cada pessoa numa terreira. É um abraço completo, de rosto colado, afagos maternais e mãos apertando docemente, corpo contra corpo. E, além disto, dançando. Quanta diferença do abraço apenas formal que se pratica em algumas das religiões de origem européia. O pastor, homem sensível e imbuído de autêntica fé cristã, de amor ao próximo e abertura para o outro, não podia deixar de perceber esta característica tão viva e tão contrastante.

Faço esta referência não para estabelecer um juízo de valor, o que seria simplista demais. Meu objetivo é demonstrar como se podem notar profundas diferenças culturais mesmo num gesto tão simples como o abraço. A partir desta observação, podemos enfatizar a necessidade de prestarmos compenetrada atenção às referências culturais dos nossos alunos – e também às nossas. Como temos múltiplas culturas – e miscigenações culturais – é um dever de amor para com as crianças procurar entender a diversidade que cada professor(a) tem em sua sala de aula. E alimentar a consciência de que estas diferenças se manifestam em pequenas coisas do dia a dia, como um simples abraço.

A escola é um lugar onde se encontram todas estas múltiplas culturas, com todo seu potencial de encontros e desencontros, conflitos e miscigenações. Ainda mais séria se torna esta questão quando temos presente que a escola tem justamente a função social de formação cultural. Mas não age sozinha e disputa sua hegemonia nesta função. Por um lado, estabelece disputa com uma poderosa estrutura de mídia, que explora a cultura como um bem comercial. Por outro lado, disputa com a família, com seus valores e hábitos enraizados. A família, por sua vez, também disputa a formação de suas crianças, com a mídia e com o entorno social onde vive seu cotidiano.

A educadora/o educador não age sozinh(o)a. Interage dentro de uma rede muito complexa de influências. Além disto, oferece às crianças não só os conteúdos oficiais, definidos no currículo e no plano político pedagógico, mas também suas própria crenças e valores pessoais, dos quais não tem como se desvestir completamente ao entrar numa sala de aula.

Resta claro que educar é transmitir valores e crenças, não apenas conhecimento, desde o primeiro momento em que a criança chega à escola. Pode-se fazer isto de forma inconsciente, reproduzindo uma cultura muitas vezes arcaica, preconceituosa e opressora. A outra alternativa é educar de forma crítica e consciente, questionando os próprios valores, compreendendo os valores das várias culturas que convivem na escola. E escolhendo. Conscientemente, escolhendo. Assumindo a responsabilidade de escolher.

Não é fácil fazer isto, porque exige uma avaliação crítica de cada um de nossos gestos. Cada um deles pode fazer com que uma criança se sinta inferior, igual ou superior às outras na sala de aula. É preciso muita humildade para assumir todo o enorme peso da responsabilidade que estas escolhas representam para a vida inteira de cada uma das crianças que educamos. E esta humildade só é produzida pelo amor.

Este mesmo amor que me faz brincar com a orelhinha do meu netinho emprestado e me faz feliz com o simples abraço apertado da minha netinha.

domingo, 28 de agosto de 2011

O ENCANTO DA PROFESSORA LAIR ENSINANDO A ENSINAR CULTURA E HISTÓRIA DO NEGRO NA ESCOLA INFANTIL


A manhã da última sexta-feira (26/08/2011) foi encantada para as professoras da Educação Infantil e séries iniciais da rede pública municpal de Novo Hamburgo. Das 8h00 às 11h30, no auditório da SMED, elas tiveram a oportunidade de ouvir a professora Lair Teresa Vidal da Silva. Com um sotaque característico da Pampa gaúcha, que deu colorido especial a sua palestra, ela cantou, dançou, recitou, lembrou ditados populares, mostrou como se fazem benzeduras, tudo para mostrar como é possível ensinar as crianças, desde seu ingresso no mundo da escola, a valorizarem, respeitarem e conhecerem sua herança cultural afro-brasileira-gaúcha. Foram três horas e meia que se passaram num instante, como mágica, e mesmo assim deixaram raízes profundas e uma grande inspiração para o nosso trabalho.

Licenciada em letras, com especialização em Ensino Religioso, a professora Lair é militante do Movimento Negro desde 1987 e desenvolveu uma experiência única no ensino da diversidade nas séries iniciais, usando jogos e brincadeiras infantis da tradição afro-brasileira para introduzir as crianças no universo de belezas da cultura e da História dos negros em nosso país. A riqueza dos resultados que alcançou fez com que este trabalho fosse reconhecido e passou, assim, a assessorar a rede educacional de Cachoeira do Sul, onde vive e trabalho, com palestras e oficinas na Área de Cultura Afro. Hoje aposentada, passou a ser requisitada para compartilhar seu conhecimento em vários outros municípios do Estado. Atualmente, além de toda esta atividade, participa também do Coletivo Estadual de Educadores Negros.

Já tivemos a oportunidade de ouvi-la, no ano passado, em palestra que integrou o curso realizado em parceria com a UFRGS sobre a História e a Cultura Afro-brasileira. Este ano, porém, ela veio falar especialmente para professoras da Educação Infantil e seres iniciais, trazendo-nos a palestra “Desvendando o Lúdico na Africanidade”. O mais estimulante em suas proposições é que ela mostrou como é possível utilizar este tema para trabalhar a motricidade, a questão dos limites, geografia e até matemática. E tudo isto trazendo uma visão aguda da História dos negros no Brasil e no Rio Grande do Sul. Para culminar, ela nos trouxe também uma lição de amor e dedicação às causas sociais, frisando que foi nas escolas da periferia em que encontrou maior receptividade e carinho para seu trabalho, mostrando profunda gratidão às crianças mais pobres que aprenderam com ela, mas também lhe ensinaram muito.

Leira Salete Teixeira de Souza

Assessora da Diversidade

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

SOBRE A IMPORTÂNCIAS DAS MULHERES NA SOCIEDADE BRASILEIRA


Muito raramente a História procura entender o papel da mulher na construção das sociedades. Quando é feita uma investigação realmente científica, porém, novas luzes nos ajudam a entender nosso presente e a projetar nosso futuro. Um ótimo exemplo é o trabalho de Michelle Perrot sobre as donas de casa da capital francesa no século XIX (vale a pena se divertir e aprender com ele, a partir do artigo “Napoleão III contra as lavadeiras tagarelas”, publicado neste blog no dia 24 de abril). A autora mostra como as lavadeiras de Paris, tratadas como “tagarelas” pelo machismo da época, desempenharam papel importantíssimo nas lutas populares. Por sua capacidade de ação e organização, eram vistas com extrema preocupação pelo imperador.

Outro exemplo muito interessante vem da Feitoria do Linha Cânhamo, que deu origem ao município gaúcho de São Leopoldo. Hoje, esta cidade é conhecida como berço da colonização alemã no Brasil. Quase ninguém sabe, porém, que a Feitoria foi o maior empreendimento escravista da província de São Pedro do Rio Grande, entre 1788 e 1824. É um fato histórico de grande relevância que este empreendimento não tenha prosperado, pois recebeu investimentos significativos do governo português. Para se ter uma idéia da sua importância para o governo central, basta lembrar que contava com 321 negros escravizados. No mesmo período, as maiores charqueadas – principal atividade econômica gaúcha na época – mal chegavam aos 200.

LUTADORAS ATIVAS

Nunca foi bem explicado porque o governo desistiu da Feitoria. Os mais preconceituosos gostam de atribuir a culpa à “preguiça dos negros”. Nem vamos perder tempo com esta besteira. A hipótese mais provável, apresentada pela pesquisadora Eliege Moura Alves, é que os negros inviabilizaram o empreendimento resistindo à vida escrava de forma tão aguerrida que chegaram a enfrentar as forças imperiais. Para culminar, a historiadora aponta que as mulheres negras escravizadas, cerca de metade do total na Feitoria, foram decisivas como fomentadoras e como retaguarda firme da revolta libertária negra.

Sempre que lembro deste capítulo da História, penso que é mais um episódio riquíssimo da história popular brasileira que merece uma pesquisa profunda e também ampla divulgação. Gostaria muito de ver esta História, “a rebelião negra na Feitoria do Linho Cânhamo” transformada em filme, por exemplo, mostrando as mulheres em papéis tão importantes quanto os dos homens. Não como meras coadjuvantes, mas como lutadoras ativas, como foram na realidade. Gostaria de ver retratados seus sentimentos de revolta, desespero e esperança, pensando nos seus filhos e nos seus antepassados durante os duríssimos anos de cativeiro.

O PAPEL FUNDAMENTAL DAS MULHERES

Tenho certeza de que esta História, contada com sentimento e honestidade, ajudaria muito a conscientizar e inspirar as mulheres de hoje. Não só as negras, mas todas que vem lutando e trabalhando duro durante tanto tempo, ajudando a construir nosso país. Poderia nos ajudar a entender o papel fundamental das mulheres na formação da sociedade, da cultura e da economia brasileira.

O mestre Darcy Ribeiro, em seu livro “O Povo Brasileiro”, já enfatizou que a família brasileira, especialmente as famílias das classes populares, tem um forte traço matriarcal – ou seja, construídas em torno de mulheres. Foi assim e continua sendo. Os levantamentos estatísticos sobre a família brasileira mostram que está crescendo o número de famílias comandadas por mulheres. E tenho certeza, aliás, de que esta proporção é ainda maior do que as pesquisas conseguem revelar.

A CIÊNCIA ACADÊMICA E A REALIDADE DA MAIORIA

Em outro artigo, “Os Novos Quilombos”, observei que as mulheres são responsáveis pelo sustento das famílias e por sua organização interna em muitas comunidades negras. Aos homens, cabe o relacionamento com a sociedade externa. Assim, não seria de admirar se, em muitos casos, quem recebe os entrevistadores destas pesquisas são os homens e que estes se declaram os “chefes” da família, atendendo a expectativa social dominante. Internamente, porém, quem exerce a autoridade é a mulher.

Só este fato já mostra quanto a ciência acadêmica ainda precisa aprender sobre a realidade da maioria da população brasileira. A visão dominante entende a família como um núcleo muito reduzido, limitado a pai, mãe e filhos. Na vida real, as famílias pobres são muito mais extensas e seus laços de lealdade se estendem muito além dos primos em primeiro grau. E, quase sempre, a referência central é uma mulher, vivida, experiente e sábia. Não por acaso, nenhuma outra tradição religiosa no Brasil dá tanto espaço dirigente às mulheres quanto as religiões de raiz africana.

A IMPORTÂNCIA DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA

O fenômeno, no entanto, não se restringe apenas às famílias negras. É comum a quase todas as famílias pobres, como resultado da tradição cultural brasileira. Este fato, aliás, indica com muita clareza a força da cultura afro-descendente, muito mais presente do que conseguem imaginar aqueles que só vêem a cultura negra em eventos festivos e folclóricos, como o Carnaval. Do ponto de vista da organização familiar, no entanto, ela transborda do universo negro e se espalha por todas as etnias.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A CULTURA DA ESCOLA E A CULTURA DO ALUNO

A auto-estima é reconhecida como fundamental para o aprendizado e para o desenvolvimento das crianças. No entanto, para estudantes de etnias discriminadas, a auto-estima é fortemente problematizada. Além da cor da pele e das características físicas, sua cultura, sua organização familiar, sua linguagem, suas predileções no campo da música e até da culinária, via de regra, são preconceituosamente rotuladas pela sociedade como “inferiores”, ou, no mínimo, com eufemismos como “incultas, populares, folclóricas”, etc. Desta forma, se constrói uma identidade sócio-cultural que contém uma profunda perversidade: a criança logo “aprende” que pertence a um grupo social específico, mas “inferior”. E esta “inferioridade” parece se confirmar quando a criança não consegue compreender a “linguagem cultural” da Escola, construída distante de sua realidade.

A Escola não pode desvincular-se totalmente de sua linguagem, até porque boa parte desta tem a função de transmitir novos conhecimentos, conteúdos e visões de mundo para os alunos. No entanto, pode assumir a postura generosa de acolher as culturas discriminadas, valorizando-as como importantes manifestações do espírito humano, como de fato o são e, desta forma, se aproximando das linguagens do aluno e – ela também –aprendendo.

A simples inclusão de programas que valorizem a cultura destas crianças tem efeito positivo imediato sobre sua auto-estima e cria um ambiente de aproximação entre as duas culturas que devem dialogar: a do aluno e a da Escola. Assim, a evolução de tais atividades favorece o desenvolvimento das crianças, não só nas artes específicas que estiverem sendo trabalhadas, mas também na sua capacidade de dialogar com a Escola e, portanto, de assimilar os conteúdos curriculares. Afinal, é diferente falar com quem claramente demonstra que te respeita ou com quem seguidamente informa que te considera inferior.

Frise-se, além disto, que tais atividades, por terem proximidade com a realidade cultural dos alunos, despertam entusiasmo, facilitam o desenvolvimento da motricidade, favorecem a concentração e proporcionam o auto-reconhecimento da capacidade de se desenvolverem, condições básicas para o melhor rendimento escolar de cada criança.

Por outro lado, o resgate das culturas discriminadas contribuirá também para que professoras(es) e funcionária(os) das escolas da rede municipal, mais do que aceitar, respeitem, compreendam e valorizem toda a riqueza de suas manifestações. Uma criança socialmente discriminada pode até ser tratada com carinho numa escola, mas este carinho pode vir acompanhado de uma visão que a trata como alguém a ser “salvo” de sua própria identidade, o que apenas reproduz e reforça um meio hostil ao desenvolvimento desta mesma criança. Sabemos que a postura preconceituosa não é necessariamente maldosa, mas socialmente condicionada. Os conceitos e preconceitos da(os) educadora(es), portanto, não podem ser vencidos apenas pelo discurso formal, embora este também seja necessário. Para que isto ocorra, é necessária a convivência com a riqueza das culturas discriminadas.

Desta forma, por garantir a presença do tema e sua inserção no cotidiano das escolas, como conceito e como prática, o desenvolvimento de atividades de caráter cultural que valorizem as culturas étnicas tem importante contribuição também para a inclusão da questão étnica no ensino curricular. Neste sentido, é necessário que as atividades extra-curriculares desenvolvidas sejam aproveitadas como geradoras de interesse pelos temas curriculares vinculados ao ensino da História da África, dos Afro-descendentes brasileiros e indígenas, no melhor espírito da Lei Federal 11.645.

Ainda outro benefício decorrerá da realização de oficinas voltadas às culturas das etnias discriminadas: a aproximação da Escola com as famílias destas crianças, porque podem, de diversas formas, participar de momentos importantes de sua realização, sentindo-se também elas valorizados pela Escola em razão de seus saberes específicos.

NEGROS E INDÍGENAS NO RIO GRANDE DO SUL E EM NOVO HAMBURGO

Cabe ressaltar a importância das etnias discriminadas na composição da nossa sociedade. Novo Hamburgo e o Vale do Rio dos Sinos são comumente identificadas como sociedades formadas majoritariamente por descendentes dos imigrantes alemães. Embora isto ainda seja verdade em algumas localidades menores, não é mais a realidade das cidades maiores, como Novo Hamburgo, São Leopoldo, Campo Bom e Sapiranga, onde a migração de mão-de-obra para a indústria calçadista, a partir da década de 1970, alterou substancialmente a composição étnica da população. Estudo desenvolvido pelo Projeto Quizomba da Cidadania, realizado nos municípios gaúchos de São Leopoldo e Novo Hamburgo com apoio da Fundação Cultural Palmares e do Ministério da Cultura indicou, em 2007, que a proporção dos negros na população de Novo Hamburgo está em torno de 15%. Assim, também em números absolutos estas ações terão grande importância. Dos mais de 26 mil alunos atendidos pelas 76 escolas da rede municipal, seguramente mais de 4 mil são afro-descendentes brasileiros.

Se o número já é expressivo, cabe frisar que ele tende a aumentar, uma vez que os índices de natalidade são mais elevados nas vilas periféricas, onde se concentra a população negra. Além disto, o desenvolvimento de ações específicas para a valorização da cultura dos afro-descendentes brasileiros é necessário também para refletir e integrar a Escola à realidade nacional, onde a proporção de negros é bem mais elevada.

Por outro lado, não temos nenhum indicador confiável da real proporção de indígenas e, especialmente, descendentes de indígenas em nossa população. Tampouco uma visão clara das heranças culturais que ainda estão presentes na vida da periferia de nossa sociedade. É um número difícil de medir porque a destruição da identidade indígena foi muito mais severa do que a dos negros, em nosso país e especificamente em nossa região. Mesmo assim, é importante o desenvolvimento de atividades que hajam no sentido da recuperação e valorização das culturas indígenas. Especialmente nas vilas periféricas, há um número considerável de famílias que se acreditam descendentes de indígenas, o que verificamos empiricamente em nosso cotidiano como educadores.

Além disto, no Brasil, é crescente o número de indígenas que assumem a defesa de sua identidade étnica. Em muitos países da América Latina, os índios começam a participar da vida política de forma determinante, como na Bolívia, Paraguai, Peru, Equador e México. O resgate de valores culturais indígenas, portanto, é importante, não apenas para a integração de um contingente populacional não mensurado, mas certamente superior ao que nossa ignorância permite alcançar. É também fundamental para a integração de nossa própria sociedade no contexto brasileiro e latino-americano.

Finalmente, devemos assinalar que também a cultura gaúcha pode e deve ser entendida como uma identidade étnica importante. O fato de não ser tão fortemente discriminada como as anteriores, por ser resultante de um processo de fusão cultural que inclui os brancos, não deveria ocultar o fato de que também ela é submetida a uma série de preconceitos. Por outro lado, justamente por ter esta composição diferenciada e ser menos intensamente discriminada, a cultura gaúcha pode abrir portas para o reconhecimento de valores dos negros e indígenas.

As artes culinárias, especialmente, oferecem um terreno extremamente fértil para desenvolver a compreensão da profunda integração da cultura gaúcha com os antepassados indígenas e negros de grande parte de nossa população. A partir deste exemplo, aliás, podemos perceber com clareza o alcance deste projeto. Demonstrando na prática a influência dos indígenas e negros na formação gaúcha, facilitamos a assimilação de informações relevantes sobre a própria História da região (**)

(**) Há registros históricos de que os primeiros imigrantes alemães devem sua sobrevivência ao contato com indígenas que os ensinaram a comer e cultivar plantas da terra. São fatos pouco conhecidos e omitidos na versão histórica local que super-valoriza os valores dos imigrantes enquanto ignora a importância dos outros povos. Esta “História” não considera adequadamente a importância da Feitoria do Linho Cânhamo na efetiva ocupação do Vale do Sinos, antecedendo a imigração alemã. A Feitoria foi o maior empreendimento escravista da então Província de São Pedro, contando com 321 escravos, enquanto nenhuma das maiores charqueadas da época ultrapassou o número de 200 escravos. Tampouco reflete sobre o fato de que parte considerável da mão-de-obra utilizada pela nascente indústria coureiro-calçadista, já na segunda metade do século XX, constituiu-se de operários negros oriundos de Pelotas e Rio Grande, profundos conhecedores das lides com o couro desde o tempo das charqueadas.

A RIQUEZA ETNO-CULTURAL COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO

É indispensável, ao cabo desta argumentação, observar que, por força do caráter universal que deve ter a Escola Pública, a oportunidade de conhecimento e desenvolvimento da cultura e das artes das etnias discrimiandas será oferecida a todos os alunos das escolas onde ela acontecer. Esta amplitude tem forte efeito positivo: crianças de outras etnias, além de desenvolverem carinho por estas manifestções culturais, podem encontrar espaços insuspeitados para o seu desenvolvimento. Por outro lado, para as crianças de culturas discriminadas, as possibilidades de satisfação pessoal, reconhecimento e estímulo geradas pela valorização de suas habilidades em artes que não lhe são estranhas, podem ser portas para o desenvolvimento em outros campos.