terça-feira, 5 de abril de 2011

A HERANÇA DA PROFESSORA LAIR


A professora Lair (Lair Teresa Vidal da Silva, de Cachoeira do Sul) é uma pessoa que me impressionou profundamente. Poucas vezes tive oportunidade de conversar com ela, mas cada uma destas oportunidades foi uma daquelas aulas que nos fazem avançar na compreensão da vida. A mais marcante destas experiências foi quando ela falou não só para mim mas para todas as professoras e professores, em aula presencial do curso de capacitação sobre a história e a cultura dos afrobrasileiros que a SMED nos proporcionou, em parceria com a UFRGS. Poucas vezes aprendi tanto em tão pouco tempo. E tenho certeza de que não fui apenas eu, mas todos os presentes.

O essencial de tudo que ela nos passou foi a dignidade humana, não só do negro, mas também do povo negro. A História do povo negro é muito mais uma história de luta do que de submissão. Muito mais uma história de trabalho, perserverança, inteligência e resistência do que de escravidão. Em nenhum momento de nossa História fomos totalmente submetidos. Sempre resistimos, a cada dia, mesmo nas condições mais adversas, porque sempre tivemos valores, cultura, antepassados para honrar e filhos a quem oferecer um futuro. Esta é a primeira grande verdade que ela nos passou.

Lembram daquela música que aprendemos, todos, em nossa infância, “Escravos de Jó”? Pois, era uma música que os negros escravizados adoravam cantar na senzala e durante o trabalho. Na verdade, era um artifício através do qual se desenhavam mapas, rotas de fuga, através dos gestos gingados que acompanhavam a música. Não era uma simples dança que se repetia igual cada vez que a música era cantada. Era um código de leitura em que cada gesto significava um caminho a seguir, um rio a vencer, uma gruta onde se ocultar...

Se pensarmos a fundo, este simples fato nos revela como a História que aprendemos é ainda preconceituosa e pobre de conteúdo. Não vi um único filme sobre a História dos negros em que uma fuga não fosse um ato desesperado e isolado, uma decisão de momento, tomada após um fato mais forte. Na verdade, porém, as fugas sempre foram operações cuidadosamente planejadas, antecipadas por uma série de cuidados indispensáveis. Sempre havia um lugar onde previamente se deixava escondida uma provisão de água, alimento e, se possível, alguma arma. E, quase sempre, ao fugir o negro levava consigo uma importante quantidade de... sementes!

Este fato nos revela ainda outro aspecto fascinante de nossa História. Os filmes e as histórias que nos contam sempre falam de fugas que, além de atos de desespero, eram também atitudes individuais. Novamente, a versão equivocada pois, na verdade, os fugitivos levavam sementes porque pensavam em um lugar onde poderiam plantar. Logo, se estabelecer, constituir família. Na verdade, até mais do que isto, buscar sua família.

Quando pensamos na História das fugas, portanto, precisamos entender a existêcia de uma fantástica articulação política, a dos Quilombos, onde os negros fugidos ou de alguma forma libertos se estruturavam como uma sociedade proibida de existir. Proibida de exisitir e, mesmo assim, capaz de manter contato com os que continuavam cativos e lhes passar informações consistentes sobre rotas de fuga, por exemplo.

Estes são pontos fundamentais para a nossa reflexão: a capacidade do povo negro de se articular social e politicamente em condições adversas, conservando e desenvolvendo uma cultura e um sistema de valores em que a família – com ênfase nos ascendentes e descendentes – ocupa lugar destaque.

E é isto que esta mulher, de fala mansa e segura, nos ensinou e nos acompanha, agora, como uma herança que toda mãe guarda com carinho para passar às próximas gerações.

2 comentários:

  1. Existe um livro no qual a profa. Lair Vidal está na capa, representando a mãe negra. É uma coletânia de escritores negros. Não lembro do título. Poderia conseguir esta informação?

    Grato.

    Nocilmar - nvs14nvs@yahoo.com.br

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  2. OI, SOU SOBRINHO DELA: LIVRO É ASPECTOS DA NEGRITUDE, DA SRA. VERA TRIUMPHO.

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